domingo, 30 de agosto de 2009

Presente de Natal.




Sim, sei que estou atrasado com esta crônica, que na verdade era pra ser postada em janeiro, mas por uma série de motivos não consegui. Bom, a minha idéia original para este Blog era postar alguma coisa de humor junto com um desenho simples, mas o desenhista vive ocupado (Samuel Fonseca), bom, esta será uma das poucas crônicas mais sérias que pretendo postar, pois senão a coisa fica muito pessoal, e no final de contas o Blog é meu e posto o que quiser.

Como todo ano no natal fizemos uma grande festa, convidamos os amigos mais próximos e comemos até nos empanturrar, tendher, pernil, peru, coisas que fazem o "cheiro do natal" se espalhar pela casa, depois disso sempre saio com meus amigos para passear pela cidade ou jogar conversa fora, como já disse, sou de cidade pequena. Foi exatamente as onze e meia que meu celular tocou e meu pai disse com uma frieza que lhe é peculiar:
- Vem pra casa, o rosto da sua mãe paralisou.
Infelizmente eu sabia o que isso significava, acidente vascular cerebral, o meu presente de natal estava apenas começando.
Enquanto minha cabeça processava o que eu deveria fazer, minhas pernas, que sempre me foram mais úteis em horas de em horas de aperto já estavam correndo e sem eu perceber já estava na frente da minha casa.
Fiz o que qualquer pessoa normal faria em uma situações destas, me desesperei. Vi uma mulher forte, uma mulher inteligênte que lê um livro por semana, vi minha mãe balbuciando coisas sem sentido sendo carregada pelo meu pai na noite de natal para um hospital em Piracicaba.
Ainda era o princípio do meu grande presente de natal.
Obviamente o sentimento de revolta começa a rugir dentro de você, enquanto as pessoas estão em suas casas comendo, os assados que "cheiram a natal" ganhando muitos presentes e trocando carinhos não percebem as pequenas tragédias pessoais, talvez o "cheiro do natal" junto com o cheiro de pinheiro funcione como uma gigantesca bomba de leviandade que entorpece os sentidos das pessoas e restando apenas o instinto de encher o próprio "rabo" de farofa e de se engasgar com refrigerante.
Minha mãe voltou no dia seguinte, mas voltou parcialmente. Ela não conseguia terminar direito as frases, lhe fugiam as palavras, uma mulher que lia um livro por semana, que me corrigia cada erro de português. Este ainda não fora meu presente de natal.
Ela teve mais três ataques que os médicos diagnosticaram como pequenos derrames, um no dia 27 de dezembro, um no dia 4 de janeiro e por fim um no dia 7 do mesmo mês. E depois de tantos ataques imagino que a cabeça queria descansar. Ela ainda não conseguia terminar as sentenças, não tinha raciocínio para muitas coisas e perdia objetos com frequência. Para um filho que era acostumado a ver a sua mãe, uma pessoa culta, mesmo sem curso superior, uma entendedora do francês e com a incrível capacidade de ler o sexto livro do Harry Potter em menos de dois dias.
Depois de cinco meses do primeiro ataque as correções gramaticais voltaram, o meu "pra eu" virou "pra mim", o "menas" virou "menos" e o sétimo livro do Harry Potter foi lido também em menos de dois dias.
Eu havia ganhado meu presente de natal.

...chega destas crônicas dramáticas heim!
Desenho de Isadora, uma pessoa muito singular, com a incrível capacidade de me reconhecer mesmo de baixo de uma enorme máscara (não no sentido figurado).